Funções executivas, conceito matemático e cérebros atípicos
- Alfabetiza Psicopclinica
- 16 de jun.
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Atividades de construção com blocos são frequentemente associadas ao brincar livre e à criatividade. No entanto, quando observadas sob a perspectiva psicopedagógica, essas propostas revelam-se potentes estratégias de mediação cognitiva, especialmente nos anos iniciais do desenvolvimento.
A reprodução de modelos com peças coloridas exige da criança habilidades que vão além da coordenação motora, envolvendo o acionamento de funções executivas, como memória de trabalho, atenção sustentada, flexibilidade cognitiva e controle inibitório (Diamond, 2013). Esses são processos mentais fundamentais para o aprendizado formal, especialmente nas áreas lógico-matemáticas.
No modelo teórico de Jean Piaget (1952), a criança entre os 2 e 7 anos encontra-se no estágio pré-operatório, fase marcada pelo desenvolvimento do pensamento simbólico e pela intensificação da linguagem e da imitação. No entanto, o pensamento ainda é intuitivo, egocêntrico e centrado em aspectos isolados dos objetos. A construção de conceitos como reversibilidade, conservação e seriação ainda está em curso.
A proposta de montar uma estrutura com blocos, tendo como base um modelo, atua diretamente nesse processo: desafia a criança a observar, comparar, planejar, ordenar e reconstruir — ações que estimulam o raciocínio lógico e iniciam a compreensão de relações espaciais, de quantidade e de proporção, fundamentos do conceito matemático.
Em cérebros com funcionamento atípico, como nos casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou TDAH, essas mesmas atividades podem servir como pontes valiosas entre o concreto e o abstrato. Pesquisas recentes indicam que intervenções baseadas em manipulação concreta de materiais favorecem significativamente o desenvolvimento da atenção e da autorregulação (Kuhn et al., 2021; Barkley, 2015), elementos frequentemente comprometidos nesses perfis.
Vale destacar que, nesses casos, o papel do profissional é essencial. A mediação psicopedagógica qualificada ajusta o nível de desafio à zona de desenvolvimento proximal da criança (Vygotsky, 1978), promovendo avanços cognitivos sem gerar sobrecarga ou desorganização emocional.

Na imagem apresentada, observa-se uma estrutura organizada em etapas sequenciais: as peças estão dispostas em um recipiente à esquerda, os cartões-modelo ao centro e o sino de finalização à direita. Essa disposição clara e ordenada contribui para estabelecer um padrão de funcionamento previsível, junto ao seu boneco de autorregulação, oferecendo à criança uma sensação de segurança e favorecendo o engajamento na atividade.
Portanto, mais do que uma atividade de recreação, o uso estruturado de blocos de montar pode ser compreendido como uma ferramenta de investigação diagnóstica e de intervenção significativa, possibilitando ao educador ou psicopedagogo acompanhar, estimular e registrar avanços nos processos mentais superiores da criança.
Referências
Kuhn, L. J., Willoughby, M. T., Vernon-Feagans, L., & Blair, C. B. (2021). Autorregulação e prontidão escolar em crianças pequenas com e sem risco de atraso no desenvolvimento. Psicologia do Desenvolvimento, 57(2), 254–267.
Piaget, J. (1952). As origens da inteligência na criança. International Universities Press.
Vygotsky, L. S. (1978). A formação social da mente: O desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Harvard University Press.



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